Lendo e ouvindo a música


Fofas


Desenhos de Jorge Queiroz da Silva

sábado, 3 de abril de 2010

Um milênio de automóvel






Tem coisas que acontecem e que sempre nos levam para o lado da criatividade.Estava eu em companhia da família, numa viagem de férias, e pelo sim, pelo não, um novo amigo, não se fez de rogado, e me chamou a atenção: - olha, o teu carro está vazando óleo. Fiquei assustado quando ele insistiu, pedindo para eu olhar o piso da varanda e observar a mancha.Foi aí que eu retruquei, dizendo que não era vazamento, pois o carro acabava de sair de uma oficina, comprovando que era efeito de uma lubrificação e não devia ser nenhum problema do cárter e nem do motor.Mas ele continuava a insistir, querendo saber mais do que eu e dando uma de sabichão. Irritado com aquela afirmação, respondi, mais uma vez que era coisa da oficina, ao que ele retrucava que era vazamento.Não satisfeito, propagou aos quatro ventos que eu não sabia mais do que ele, porque tinha carro há mais de quinhentos anos...Bastante chateado, respondi já na pilhéria: - se você tem carro há tanto tempo, eu afirmo que tenho carro há mil anos.Mas o tempo passava e eu não esquecia da coisa, e confesso fiquei preocupado, e disse, se estiver realmente vazando, não me importa, este carro vai ser trocado, em breve.Como estas coisas, ficam no sub-consciente, eu, ainda dois meses depois, disse para mim mesmo, que ia provar que tinha carro há mais de quinhentos anos.O meu primeiro carro, foi um Fusca ano 196l, o segundo um Corcel 1969, o terceiro um outro Corcel 1970, o quarto uma Fiat GLS 1979, o quinto um Chevette 198l, o sexto um Spazio 1983, o sétimo um Prêmio 1985, o oitavo um Prêmio 1986, o nono uma Brasília 198l, o décimo uma Elba 1986, assim como também, os utilitários, uma Kombi 1974, uma Chevrolett 1975, e finalmente, a réplica de Ford l9l8, que construí com o meu filho, engenheiro mecânico.Aí então, cheguei a conclusão de que tive um milênio de carros, pois a soma dos anos destes veículos, tem como resultado 948, que por obra do destino, vem a ser exatamente o ano que a minha mulher nasceu!Mas vocês devem estar curiosos, pois o uso de carros em diferentes escalas, nos trazem muita dores de cabeça, e comigo não foi diferente, tive diversos problemas.Com o meu primeiro carro, o Fusquinha que me serviu de escola, eu fiz três atropelamentos, sendo um deles de extrema gravidade. Apesar de não ser o causador em nenhum deles, todos me trouxeram algum trauma. Batidas foram seis, todas com muita sorte, sem danos.Mas a zebra dessa história, foi exatamente causada por um dos utilitários, a Kombi ano 1974.Eu tinha comprado um sítio recentemente e o advogado que tratou da transação, depois de muito insistir comigo, disse que ele tinha uma ação de retomada de uma viatura, que já estava na fase de leilão e que eu podia adquirí-la, por um preço muito baixo, na Vara de Execução. Insistiu que o carro me seria de grande utilidade para os trabalhos do sítio e que, caso eu aceitasse, ele estaria resolvendo dois problemas de uma vez, pois eu ficaria servido com a Kombi, e sua outra cliente, a da ação de retomada, que era uma pessoa humilde e de poucos recursos, ficaria bem servida com a resolução da ação em juízo, pelo meu pagamento em leilão.Concordei e compareci no dia marcado para o leilão e fiz meu lance mínimo. Não tinha outro participante e eu ganhei sozinho aquele abacaxi.Começou aí a minha via Crucis. Já com o despacho do juiz dirigi-me para onde se encontrava a tal viatura, lá em Cordovil, ao lado de uma favela, numa Fábrica de Panelas de alumínio, já em processo de falência.O dono da Fábrica, era um sujeito mal encarado e tinha todo o tipo do comerciante trambiqueiro. Recebeu-me muito mal, mas me acompanhou até onde estava a Kombi, num canto do galpão. Assustei-me ,quando constatei que o carro não tinha nenhuma condição de uso.Fiquei injuriado com o advogado, que me deixou aquele problema e já imaginava o que iria enfrentar.Tentei conversar com o falido comerciante e ele muito irritado me disse que eu não devia Ter me deixado enganar. Disse que estava reformando o carro e que eu devia buscá-lo depois de quinze dias. Voltei lá duas semanas depois e para minha surpresa , ouvi a seguinte colocação: - eu preciso do carro mais do que você, vamos fazer um acordo, em vez do carro vou te entregar umas trezentas panelas. Você vende e fica tudo bem. Sentindo o problema, aceitei a troca, dizendo que levaria as panelas naquele dia. Respondeu que prontas, só tinha umas trinta, que se quisesse, podia levar. Assim eu fiz, peguei as trinta panelas, coloquei no carro e perguntei, quando eu poderia receber as duzentas e setenta restantes. Deixei passar o prazo de trinta dias, dado pelo homem e lá retornei.Logo ao chegar, fui ameaçado e recomendado para não voltar mais lá cobrando meus direitos, porque inclusive sabiam onde eu morava e não se responsabilizariam pelo que pudesse acontecer à minha família.Entendendo perfeitamente o recado, acabei ficando no prejuízo.O outro problema, foi a caminhoneta Chevrolett 1975, comprada por anúncio.Fui vê-la em Botafogo e verifiquei que no aspecto estava muito bem.Como não podia fazer nenhum teste, eu disse aos vendedores que residia no Méier, e se eles se dispusessem a levá-la até a minha casa, eu fazia negócio, pois tinha que resolver logo, devido a necessidade no Sítio. No dia marcado, eles lá chegaram com o carro, e colocaram o mesmo na frente do prédio. Fiz o pagamento, recebi a documentação e resolvi guardar o carro na outra vaga de garagem que eu possuía, mas para minha surpresa, a viatura não passou no portão da garagem, tive que levá-lo para um estacionamento e pagar diária, até finalmente poder deixá-la no Sítio.De repente, o carro aparentemente bom, começou a apresentar inúmeros problemas, e não tive outro jeito a não ser vendê-lo e muito mal, pois estávamos no Governo Sarney.Aí então veio a história do tal carro, a réplica do Ford l9l8, que meu filho , recém-formado em engenharia mecânica e sem emprego, me solicitou, um apoio para construir. E como eu queria, que ele se aplicasse na sua formação técnica, simplesmente perguntei, quanto pensava gastar naquele projeto.Comecei a financiar pneus radiais, capota projetada pelo criador da capota do carro MIURA, bancos estufados em couro com botões especiais, pintura filetada em ouro, e metais cromados.O carro pronto, ficou muito bonito. Naquela época, no ano de l98l, inclusive me recordo que esse carro serviu para o casamento de meu outro filho e fez um sucesso danado lá na Igreja do Palácio Guanabara, quando chegou com os noivos.Mas o pior estava por vir. Meu filho, sempre pensando em ganhar alguma coisa, numa virada de vida, foi iludido por uma concessionária lá de Niterói.O referido senhor o enganou com promessas de fabricar uma linha do carro e o fez largar até um emprego, prometendo a ele mundos e fundos. E isso tudo, não passou de um grande sonho, o tal empresário, pediu a ele todo o projeto, e o iludia com uma promessa de Contrato de Sociedade, que nunca saiu.Muito indignado, fui até o tal empresário, e arranquei o carro da mão dele, chegando quase a vias de fato.Por tudo que relatei nessa história, posso afirmar que, na minha vida, já passei por um milênio de carros, e reafirmo que não é coisa muito boa.

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