Lendo e ouvindo a música


Fofas


Desenhos de Jorge Queiroz da Silva

quarta-feira, 7 de março de 2012

Minha simpática convivência com meu tio Nilo

Meu tio Nilo foi um dos meus sete tios. Tendo nascido de parto prematuro aos seis meses de gestação, teria menos possibilidade de viver com saúde, ainda mais numa época em que tudo era muito complicado. Como dizia minha mãe, nascer era tão problemático, como morrer. Lembro que nas historias de família, mamãe contava que o seu primeiro berço foi uma caixa de sapatos, pois como prematuro de extremo risco, necessitava de cuidados muito especiais para sobreviver. Podemos imaginar a dificuldade da família para que na altura dos seus vinte anos, sem qualquer recurso especial, ele pudesse ser considerado uma pessoa de saúde normal. No entanto, de todos os meus tios, era o mais inteligente, embora tivesse o menor grau de instrução. Em compensação, foi durante toda a sua vida, o melhor dos tios e o que mais valeu à minha mãe, sendo sempre o seu fiel escudeiro. Morou em nossa casa até o término da sua vida e era um ser bem diferente dos demais. Não tinha muito juízo, mas alegrava todos os nossos almoços de domingo, com suas brincadeiras e grande otimismo. Era quem ajudava financeiramente a minha mãe, visto que a contemplava com um pouco do resultado das gorjetas que recebia. Assim, agradava minha mãe pelos cuidados especiais que lhe devotava com o bom trato de suas roupas e com sua alimentação. Aliás, minha mãe tornou-se sua protetora, desde a morte de minha avó. . Na época, apesar da pouca idade em relação a ele, sempre cuidou , para que ele pudesse ter algum rendimento, que lhe garantisse o dia de amanhã. Deu-lhe algumas idéias para que pudesse ter algum dinheiro, um ganho como autônomo, pois era um participante ativo, das nossas noites cariocas, no Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco. Sempre nos dias de Natal e Ano Novo, ele fazia questão de brindar a todos, com uma pequena lembrança, e não nos poupava dos seus famosos e engraçados discursos otimistas, onde sempre dizia, que todas as pessoas daquela mesa de ceia, um dia ainda iriam se banhar em muito dinheiro! E era aquela saudação na passagem de cada ano, que sempre nos trazia alguma alegria, porque, em segundos, ele nos transformava em raros milionários na sua forma otimista de nos ver, falando com bastante ênfase, de pé, na cabeceira da mesa de Natal. Não possuía nenhum certificado escolar ou profissional, apenas uma carteira de identidade, mas, mesmo assim, conseguia ganhar dinheiro como ninguém. Causava inveja a muitos chefes de família, com os ganhos recebidos com um sub-emprego, o de abrir as portas dos carros, na entrada do Jóquei Clube do Brasil, na sua antiga sede na Av. Almirante Barroso. Era um guardador dos carros oficiais, que naquela área, ficavam sob sua responsabilidade. Trabalhou ali, por mais de trinta anos. No exercício do seu trabalho, teve a oportunidade de se aproximar naturalmente, de todos os Ministros, Juízes, Senadores, Deputados e até mesmo, do Presidente da República, o Getúlio Vargas, chegando, nessa oportunidade a abrir as portas do carro do consulado Americano, que conduzia o Presidente Roosevelt, freqüentemente no Brasil, faturando a sua primeira gorjeta em dólares. Também servia nas portas dos Clubes, inclusive o Clube Naval. Era muito o que ganhava com as gorjetas, abrindo as portas dos automóveis luxuosos dessas autoridades, visto que empatizava com todos. Minha mãe sempre dizia que se ele tivesse tido juízo, teria feito um excelente pé de meia. Por trabalhar na rua e devido a sua grande facilidade de ganho, dele se aproximavam também as prostitutas, os homossexuais, os mendigos e os cachaceiros das noitadas, que se faziam de amigos, para o levar para beber, com a finalidade única, de lhe tomar dinheiro. Ele se trajava sempre com roupas de primeira qualidade, e o interessante é que nunca gastou o dinheiro do seu trabalho, para comprar suas vestimentas e sapatos, pois ganhava daquelas autoridades. Às vezes, com orgulho, exibia um par de sapatos que não usava em respeito ao dono, o Getúlio Vargas. Infelizmente, a bebida que lhe faziam pagar na rua, não só prejudicava no resultado do seu trabalho e ganho, como também, o levavam a um estado de total embriaguez, que o fazia até dormir pelas calçadas da Cidade. Quantas e quantas vezes eu, ainda menino, com muita pena, tentava lhe levantar do chão frio e até molhado pela chuva. Quando ele conseguia chegar em casa, normalmente estava totalmente sujo, o que causava um impacto pela desconexão com sua roupa alinhada . Cheirando mal, levava minha mãe ao desespero, quando entrando pela porta da nossa casa a dentro, gritava por ajuda, fingindo estar sendo vitima de forte dor de barriga. Lembro-me de minha mãe clamando pelo Deus do Céu, Jesus Cristo e Nossa Senhora, enquanto mandava que ele fosse direto para o banheiro, pegasse as roupas e as jogasse no molho direto no tanque de roupas, para que depois cuidasse delas. Mesmo assim, com todas as dificuldades de vida, ele sempre foi, dos meus tios, o mais honesto, o mais consciente com a minha mãe, aquele a quem eu mais respeitava e com quem mais conversava. Recordo-me de que me trazia balas e pequenos brinquedos, ajudava ainda nas compras de meus cadernos e livros escolares. Era dono do maior otimismo de vida, pois a convivência que ele manteve com autoridades e políticos, sempre o levaram ao delírio! Foi um importante personagem na minha vida infantil, que me fez ouvir pela primeira vez o nome de milhões de contos de reis, a moeda da época, muito difícil de se ganhar. Duvido muito, se qualquer outra pessoa, que mantivesse um papo com ele de, pelo menos dez minutos, não passasse a se sentir um grande milionário ! Lembro também, que às vezes, meu pai, muito nervoso com suas histórias, queria expulsá-lo lá de casa, principalmente por ele fazer minha mãe passar por todos aqueles momentos inconvenientes. Eu era ainda um menino e a historia mais incomum que ouvi a seu respeito foi aquela, em que ele, na tentativa de imitar os guias espirituais de minha mãe e de outras pessoas que eram ligadas à religião, se instalou na casa de uma mulher de vida fácil. Lá longe de nossa casa, na Baía da Guanabara, se fazia passar por um guia conselheiro, incorporando simuladamente o “Caboclo Mamador” , que baixava dizendo - Caboclo, mamador, Caboclo, quer mamar - e só atendia as mulheres, mais jovens residentes naquela região, onde ele era totalmente desconhecido, Além de ganhar pelos trabalhos, ele ainda criava em volta dele, um circulo só de mulheres jovens, que curiosas e ansiosas para obterem os milagres de vida, em relação a casamento, obedeciam as suas ordens quando pedia que colocassem seus seios para fora. E ele saia mamando e repetindo que ao mamar, ele traria bons fluídos às consulentes. Daria força às mulheres para arranjar um bom casamento com um rico pretendente ou um bom emprego. E eu só vim a saber dessa história, depois que os jornais de Niterói noticiaram a fama do caboclo mamador. Não preciso dizer que ele foi detido, os jornais fizeram publicação a respeito, mas felizmente para ele, por ser réu primário, foi liberado pela policia, depois que fizeram o pagamento da fiança. Portador de leve deficiência mental, uma leve esquizofrenia, foi ainda apoiado pela própria justiça, que classificou as mulheres, que lhe deram o seio para mamar, de sem-vergonhas, inexperientes, frizando que elas colaboraram diretamente, para que ele se utilizasse daquela farsa espiritual ! Lembro também da tristeza de minha mãe, quando soube das noticias que corriam nos jornais. - repetia sem parar : que vergonha, que vergonha, meu Deus! Não sei o que fazer com o Nilo! Desse dia em diante, o tio Nilo, passou a ser um homem mais caseiro, deixando que as prostitutas do centro da Cidade, tomassem conta do dinheiro de seu trabalho honesto, como recepcionista das autoridades de Governo.
(Jorge Queiroz da Silva - agosto/2010)
Fonte da imagem:sejacritico.wordpress.com

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